Amizade perigosa <br> de Hollande e Obama
Com a sumptuosa visita oficial da semana passada, François Hollande foi o primeiro presidente francês a entrar na Casa Branca em duas décadas. Em perfeita sintonia, Barack Obama e o seu homólogo gaulês enfatizaram a intensificação das relações bilaterais entre os dois países e, afectuosamente, esforçaram-se por alijar divergências passadas. No entanto, a relação que justifica tanto embandeirar em arco tem eco em políticas reais, muito menos afectuosas.
Por um lado, Hollande assegurou a Obama o fim do arrufo diplomático motivado pela escuta ilegal pela NSA de mais de 70 milhões de comunicações francesas. Por seu turno, Obama garantiu que, com pequenos ajustes, as escutas ilegais manter-se-ão e lembrou os jornalistas de que os EUA não têm acordos de não-espionagem com qualquer país do mundo. A subserviência de Hollande não é novidade: o dirigente do Partido Socialista francês tem dedicado fidelidade canina à Casa Branca desde a sua eleição, tendo formalizado a candidatura a novo parceiro europeu favorito do regime de Obama quando a Inglaterra arredou pé do plano de invadir a Síria e a própria NATO desaconselhou a intervenção militar directa. Contra tudo e todos, Hollande, que os media franceses acusavam de brando, não saltou do barco e manteve-se firme no sanguinário capricho belicista de Obama.
A amizade entre Obama e Hollande é perigosa porque configura a permuta do sistema de relações internacionais do pós-guerra pela velha lógica de relações inter-imperialistas da Conferência de Berlim. Neste esquema, perdem qualquer importância os resquícios de legalidade e moralidade que orientavam as relações internacionais: a Carta da ONU é letra morta e cabe aos blocos históricos a negociação global dos territórios. Assim, a cooperação de Hollande na Líbia, na Síria ou na Somália é ressarcida com a aprovação pela Casa Branca do projecto francês de recolonização do continente africano, patente na agressão ao Mali e à República Centro-Africana, ataques que têm especial gravidade no quadro da militarização e recrudescimento imperialista da própria União Europeia.
EUA e UE: dois blocos imperialistas
Gramsci, na sua teoria das relações internacionais, explicava que a configuração destas é o corolário da correlação de forças sociais nos estados. Da mesma forma, não é surpreendente que a decadência do sistema de produção capitalista conduza de igual modo à decadência das relações internacionais. Essa decadência fica explícita na crescente incapacidade do imperialismo respeitar outros estados na sua soberania, como demonstram as escutas, as guerras ou os golpes de Estado que se sucedem. Simultaneamente, a degradação das relações internacionais revela a fragilidade dos equilíbrios inter-imperialistas.
É inútil pensar que o capitalismo europeu pode agonizar sem os sintomas do animal agonizante. A Europa guarda a mais longa e sangrenta experiência imperial da história e, num século apenas, empurrou o continente para duas tentativas de suicídio. Invariavelmente, o imperialismo assanha-se na proporção da crise capitalista e, como Lénine aponta, não existe competição pacífica a longo prazo entre blocos capitalistas. Mesmo a divisão tordelhesiana do mundo que a Europa e os EUA ensaiam, tropeça diariamente em insanáveis contradições, de que são exemplo os recentes conflitos internos no seio da auto-denominada «oposição ucraniana». O domínio da periferia europeia a Leste pode muito bem vir a ser florão para uma perigosa brecha na amizade militarista UE/EUA. Neste sentido, é sintomática a recente fuga de um telefonema entre o embaixador estado-unidense em Kiev e a responsável da secretaria de Estado norte-americana para os assuntos europeus. Nesta conversa, os estado-unidenses discutem despreocupadamente a composição de um futuro governo ucraniano, programam a instrumentalização da ONU e acabam por revelar (de forma algo vulgar) uma atmosfera de tensão entre a União Europeia e os EUA.
A tentativa de Obama e Hollande de recauchutar as relações entre os dois países coloca sérias ameaças à paz mundial: consagra a aliança militarista franco-americana, acelera a militarização da União Europeia e reaviva velhos atritos entre as potências capitalistas do velho continente. No evoluir da sua relação com os EUA, a UE continua a definir a sua natureza reacionária. Ou, como já em 1915 Lénine escrevia: «Naturalmente, são possíveis acordos temporários entre os capitalistas e entre as potências. Neste sentido são possíveis também os Estados Unidos da Europa, como acordo dos capitalistas europeus... Mas com que objectivo? Unicamente o de esmagar conjuntamente o socialismo na Europa e defender o espólio colonial».
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